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Conforme nos lembra o flautista brasileiro Carlos Poyares - na apresentação de seu disco Brasil, Seresta -, no passado, grupos de músicos, saindo das festas, detinham-se às janelas de suas pretendidas, para tocar e cantar madrugada a dentro, constituindo um costume boêmio que nós herdamos, como tantos outros, da Península Ibérica. Passando a denominar-se seresta, serenata ou sereno, essas primeiras manifestações, no Brasil, fizeram-se muito antes do lampião de gás, à luz da lua.
De fato, a origem desse costume - de se evocar alguém (especialmente a pessoa amada) através dos versos - vem de muitos séculos atrás. Conforme o testemunho de cronistas medievais, na Pesínsula Ibérica (Portugal e Espanha), desde a Idade Média os trovadores e menestréis já costumavam entoar as famosas Cantigas ou Cantares, que compõem um vasto repertório lírico e também satírico: as Cantigas nem sempre tinham tom de romantismo, pois havia as Cantigas de Amigo, de Amor, destinadas aos amigos ou à amada, mas também as Cantigas de Escárnio e Cantigas de Mal-dizer, nas quais enviavam-se recados indelicados a desafetos pessoais, inclinando para o tom humorístico.
As cantigas líricas medievais constituíam inicialmente atividades palacianas, cantadas para as damas dos castelos e palácios. Por essa razão, eram encaradas como hábitos aristocráticos, entoadas ao som de instrumentos denominados guitarras (século XIII) ou vihuela (viola espanhola - séculos XIV e XV). Aos poucos, entretanto, foram extrapolando os muros dos palácios e mesclando-se com manifestações populares, entre as novas camadas sociais urbanas que se formavam. Em Portugal, no início do século XVI, o autor teatral Gil Vicente compôs peças que mostravam cenas do processo de popularização, como os autos Quem tem Farelos? e Auto de Inês Pereira.
Os instrumentos também foram se modificando, surgindo uma variante simplificada da viola, tão difundida popularmente que, por volta de 1650, “D. Francisco Manuel de Melo já podia acusar a perda de prestígio do instrumento junto às pessoas de melhor qualificação da cidade, tão baixo descera seu uso na escala social. (...) As novidades de uma música produzida pela gente do povo das cidades, para atender às expectativas do lazer urbano, estava nascendo em Portugal de Quinhentos. E, tal como mais tarde viria a confirmar-se no Brasil, essa música popular surgia como criação das camadas mais humildes dos negros e brancos pobres das cidades, talvez por isso mesmo chamados de patifes”. (Em: História Social da Música Popular Brasileira, de José R. Tinhorão)
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