História
Seresta
foi um nome surgido no século XX, no Brasil, para rebatizar a mais
antiga tradição de cantoria popular das cidades: a serenata. Ato de
cantar canções de caráter sentimental a noite, pelas ruas, com parada
obrigatória diante das casas das namoradas, a serenata já apareceria
descrita em 1505 em Portugal por Gil Vicente na farsa Quem tem farelos?.
No Brasil, o costume das serenatas seria referido pelo viajante francês
Le Gentil de la Barbinais, de passagem por Salvador em 1717, ao contar
em seu livro Nouveau voyage autour du monde que “à noite só se ouviam os
tristes acordes das violas”, tocadas por portugueses (espadas
escondidas sob os camisolões) a passear “debaixo dos balcões de suas
amadas” cantando, de instrumento em punho, com “voz ridiculamente
terna”.
Mais compreensivo, outro francês, o estudioso de literatura luso-brasileira Ferdinand Denis, registraria em livro
Mais compreensivo, outro francês, o estudioso de literatura luso-brasileira Ferdinand Denis, registraria em livro
de 1826 que “gente simples, trabalhadores, percorrem as ruas à noite
repetindo modinhas comoventes, que não se consegue ouvir sem emoção”.
Com a transformação dessa modinha, a partir do Romantismo, em canção
sentimental típica das cidades em todo o Brasil (alguns poetas
românticos foram compositores, outros tiveram seus versos musicados),
tal tipo de canto, transformado desde o séc. XVIII quase em canção de
câmara, volta a popularizar-se com a voga das serenatas acompanhadas por
músicos de choro, a base de flauta, víolao e cavaquinho. Influenciadas
pelas valsas, as modinhas têm então realçado seu tom de lamento na voz
dos boêmios e mestiços capadócios cantadores de serenatas, por isso
chamados de serenatistas e serenateiros. Assim, quando no séc. XX a
serenata passa por evolução semântica a seresta (para confundir agora
sob esse nome, muitas vezes, o ato de cantar com o gênero cantado), os
cantores com voz apropriada ao sentimentalismo de serenatas ou serestas
transformam-se, finalmente, em seresteiros.
Conforme nos lembra
o flautista brasileiro Carlos Poyares - na apresentação de seu disco
Brasil, Seresta -, no passado, grupos de músicos, saindo das festas,
detinham-se às janelas de suas pretendidas, para tocar e cantar
madrugada a dentro, constituindo um costume boêmio que nós herdamos,
como tantos outros, da Península Ibérica. Passando a denominar-se
seresta, serenata ou sereno, essas primeiras manifestações, no Brasil,
fizeram-se muito antes do lampião de gás, à luz da lua.
De
fato, a origem desse costume - de se evocar alguém (especialmente a
pessoa amada) através dos versos - vem de muitos séculos atrás. Conforme
o testemunho de cronistas medievais, na Pesínsula Ibérica (Portugal e
Espanha), desde a Idade Média os trovadores e menestréis já costumavam
entoar as famosas Cantigas ou Cantares, que compõem um vasto repertório
lírico e também satírico: as Cantigas nem sempre tinham tom de
romantismo, pois havia as Cantigas de Amigo, de Amor, destinadas aos
amigos ou à amada, mas também as Cantigas de Escárnio e Cantigas de
Mal-dizer, nas quais enviavam-se recados indelicados a desafetos
pessoais, inclinando para o tom humorístico.
As
cantigas líricas medievais constituíam inicialmente atividades
palacianas, cantadas para as damas dos castelos e palácios. Por essa
razão, eram encaradas como hábitos aristocráticos, entoadas ao som de
instrumentos denominados guitarras (século XIII) ou vihuela (viola
espanhola - séculos XIV e XV). Aos poucos, entretanto, foram
extrapolando os muros dos palácios e mesclando-se com manifestações
populares, entre as novas camadas sociais urbanas que se formavam. Em
Portugal, no início do século XVI, o autor teatral Gil Vicente compôs
peças que mostravam cenas do processo de popularização, como os autos
Quem tem Farelos? e Auto de Inês Pereira.
Os
instrumentos também foram se modificando, surgindo uma variante
simplificada da viola, tão difundida popularmente que, por volta de
1650, “D. Francisco Manuel de Melo já podia acusar a perda de prestígio
do instrumento junto às pessoas de melhor qualificação da cidade, tão
baixo descera seu uso na escala social. (...) As novidades de uma música
produzida pela gente do povo das cidades, para atender às expectativas
do lazer urbano, estava nascendo em Portugal de Quinhentos. E, tal como
mais tarde viria a confirmar-se no Brasil, essa música popular surgia
como criação das camadas mais humildes dos negros e brancos pobres das
cidades, talvez por isso mesmo chamados de patifes”. (Em: História
Social da Música Popular Brasileira, de José R. Tinhorão)
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